HISTÓRIA DO CARTUCHO METÁLICO

Antes de surgir a munição propriamente dita, as armas eram municiadas em etapas. Nesse período, as armas eram de antecarga, ou seja, eram municiadas pela sua extremidade (pela frente do cano), na qual o atirador se utilizava de uma vareta que, normalmente, acoplava-se à parte inferior da arma de fogo, para empurrar a pólvora, a bucha e o projétil.
Por volta do século XVI (1550), surgiu o “cartucho de papel” que se resumia a um invólucro contendo pólvora e o projétil, o que facilitava e agilizava a recarga da arma de fogo no campo de batalha, uma vez que o combatente o rasgava normalmente com os dentes e inseria a pólvora e posteriormente o projétil. Importante lembrar que nesse período, ainda não havia a mistura iniciadora (espoleta), sendo para isto empregado o atrito para gerar a faísca que, em contato com a pólvora, realizava o disparo.

Havia alguns problemas quanto à utilização destes papéis. O primeiro surgia após os disparos, pois poderiam permanecer pequenas partículas de papel ainda incandescente dentro do cano da arma e ao recarregá-la, a arma disparava provocando acidentes gravíssimos. Para evitar este problema, produziu-se o papel nitrato, o qual era de queima muito rápida, evitando-se assim tais incidentes. Outro problema era quanto à chuva e à umidade. Para isto, buscaram-se recipientes a prova d’água para amenizar este efeito.

A primeira experiência com um cartucho totalmente independente (solidário) adveio com o invento do suíço Jean Samuel Pauly, em 1808. Em 1812, Jean aperfeiçoou sua invenção e patenteou-a. Este aperfeiçoamento consistia em um corpo de papel enrolado com o projétil à frente e com a base em forma de latão, cuja base tinha um recesso central para conter a mistura iniciadora (primeira munição de percussão central). Tal projeto não se popularizou, pois era aplicado apenas às armas de Jean, as quais eram muito caras para serem produzidas, porém, trouxe uma das principais inovações na história das armas: o cartucho.


Posterior à invenção de Jean Samuel Pauly, o armeiro Johann Nikolaus Von Dreyse, o qual já havia trabalhado juntamente com Pauly, na França, voltou a seu país de origem, a Prússia em 1824, onde criou sua própria empresa e aprimorou a ideia do cartucho unificado, criando o primeiro fuzil de agulha no ano de 1836, o qual foi posto a teste no exército prussiano, que o adotou com o nome de Perscussions-Gewehr M 1841, para esconder seu novo mecanismo, sendo posteriormente renomeado no ano de 1855, como Zündnadelgewehr M 1841.


Dreyse revolucionou o combate de infantaria, tendo em vista que o combatente carregava consigo uma munição pronta, podendo em um minuto realizar 7(sete) disparos, frente a 2(dois) disparos com as armas convencionais da época. Ainda assim, esta nova arma era mais fácil de limpar, de se realizar a manutenção e, também, permitia ao atirador recarregá-la enquanto mantinha-se deitado e protegido, o que não ocorria com as armas de antecarga com as quais o combatente tinha de se manter em pé para recarregá-la, expondo-se aos disparos do inimigo. Estes fatos foram comprovados na Guerra Austro-Prussiana de 1866, onde o novo fuzil de retrocarga e agulha mostrou seu valor frente às forças austríacas. No Brasil esta arma também esteve presente na Guerra contra Oribe e Rosas (Uruguai) entre 1851 e 1852, quando o Brasil contratou soldados mercenários germânicos, chamados de “Brummer”, para lutarem pelo país, os quais vieram com seus fuzis Dreyser Mod 1841 de retrocarga.

A munição criada por Dreyser constituía-se de um cartucho de papel que mantinha unido o projétil, a pólvora e um sistema de percussão que ficava alojado entre a pólvora e o projétil. Em decorrência disso, as armas projetadas por Dreyser necessitavam de um pino percussor extremamente longo e fino, para que transpusessem o papel que envolvia a munição e toda a carga de pólvora até, finalmente, atingir a carga de ignição da munição.

A partir do ano de 1857, o francês Antoine Alphonse Chassepot começou a construir diversos modelos experimentais de fuzis de retrocarga. Em um teste realizado em julho de 1866, na França, o fuzil projetado por Chassepot saiu vencedor e um mês após o feito obteve a patente francesa pela invenção.
A arma projetada por Chassepot era similar ao sistema utilizado por Dreyse, porém possuía a diferença de que o sistema de ignição do cartucho de papel ficava localizado na base deste, antes da pólvora e longe do projétil, ao contrário das munições utilizadas por Dreyse. Esta arma foi adotada pelo exército francês e era chamada de Fuzil Chassepot Modelo 1866. Tal arma enfrentou seu predecessor (Fuzil Dreyse Modelo 1841) no campo de batalha, durante a Guerra de Sedan (1870-1871), onde o fuzil francês se sobressaiu, tendo em vista que possuía um projétil menor e maior carga de pólvora, o que possibilitava maior velocidade e alcance no campo de batalha.





Em 1874, muitos destes Fuzis Chassepot Mod 1866 continuaram em serviço na França, contudo foram modificados para receberem o cartucho metálico no mesmo calibre, conforme imagem abaixo:

Em 1836, dando continuidade aos trabalhos de Jean Samuel Pauly, o francês Casimir Lefaucheux projetou um cartucho com uma base de latão com corpo de papel. Esta munição possuía um diferencial de ter seu sistema de percussão através de um pino lateral. Isto foi uma revolução na época, tendo em vista seu moderno sistema de percussão com uma base em latão, o que, no momento do disparo, dilatava-se na câmara da arma e vedava o escape de gases na culatra da arma.

Outra grande inovação deste sistema é que todo o resíduo da queima da pólvora permanecia alojado no próprio cartucho e não na câmara da arma, como ocorria nos sistemas DREYSE e CHASSEPOT, não necessitando de limpeza constante para a inserção de um novo cartucho. A única coisa que não se alterou, quanto aos sistemas anteriores, foi o fator da umidade, o qual ainda poderia afetar o cartucho, tendo em vista que grande parte de seu “corpo” era constituído de papel.

Até 1846, vários intentos foram testados na busca por uma munição eficiente, porém, nenhum deles obteve o êxito de conseguir vedar a câmara com sucesso, evitando o escape de gases e energia no momento do disparo. Isto só foi solucionado com a introdução do cartucho de latão, o qual possui propriedades para a devida expansão e selagem da câmara no momento do disparo. Tal feito foi possibilitado por Benjamin Houllier, que melhorou o projeto de Lefaucheux, produzindo a munição com o corpo inteiro em latão. Em 1858, o revólver lefaucheux foi a primeira arma a utilizar cartucho metálico a ser adotada por uma nação. Esta munição, além de representar uma significativa novidade à época, também apresentava problemas, devido ao fato de possuir um pino lateral para a sua percussão, o qual acarretava disparos acidentais durante seu manuseio, mesmo fora da arma, por exemplo, com uma queda. Outra desvantagem era que o cartucho se apoiava dentro da arma no próprio pino, visto que o cartucho não tinha aro, assim o pino deveria possuir certa folga para poder ser percutido e adentrar no estojo. Esse procedimento permitia que a umidade e até a água da chuva adentrasse no cartucho por este pequeno orifício, assim o atirador sempre deveria ter cuidado ao carregar as armas, pois a munição deveria ser inserida em uma única posição, visando alojar o pino no local adequado.


As primeiras munições completamente metálicas surgiram por volta de 1850, com os chamados “pinfire”. Estes consistiam em uma estrutura de cobre, com um pino lateral projetando-se para seu interior. O latão entrou em expressiva utilização somente a partir da década de 1870, vindo a substituir o cobre na confecção dos estojos destas munições. As munições “pinfire” continuaram a ser fabricadas até a década de 1930.
A próxima evolução no desenvolvimento do cartucho metálico contou com a colaboração do armeiro francês Houlier em 1846, o que foi posteriormente desenvolvido por seu conterrâneo Flobert. O projeto de Flobert consistia em um cartucho com as bordas ocas de sua base, nas quais era alojado o material iniciador, responsável pela energia que arremessaria o projétil. O interessante a respeito desta munição, é que ela não continha pólvora. Este tipo de munição era de baixíssima potência, normalmente utilizada em armas para prática de tiro em ambientes confinados.


Em 1854, a Empresa Smith & Wesson adaptou o projeto dos franceses (Houlier e Flobert) simplesmente alongando o comprimento do estojo, possibilitando a inclusão de pólvora em seu recipiente, criando assim, a primeira munição propriamente dita, de percussão radial, o .22 curto, lançando seu primeiro revólver para esta munição, o Smith & Wesson Model 1.


Durante esse período surgiram alguns outros calibres como o .44 Henry, utilizado nos Rifles Henry, todos de percussão radial, assim como o Rifle Spencer; cujas armas foram projetadas no ano de 1860. Esses calibres não existem mais neste tipo de percussão, visto que as armas e munições foram sendo aperfeiçoadas, assim, houve a necessidade de maior energia nos estojos, aumentando a carga de pólvora ou sua química, acarretando enorme pressão, o que não era adequado devido à base fina de seu estojo (inviável para trabalhar com elevada pressão) para que recebesse a percussão em suas extremidades. Outra desvantagem deste tipo de munição era a inadequação de seu design para sistemas modernos de carregamento e ejeção das armas de fogo, bem como maior quantidade de composição de escorva necessária e sua devida distribuição uniforme no aro.




No ano de 1866, o Norte-americano Hiram Berdan patenteou um novo modelo de estojo para munição. Este novo invento foi o estojo “Berdan”, como hoje é conhecido, e ainda é utilizado. Esta invenção trouxe expressivas vantagens, uma vez que, agora, o culote (base inferior) do estojo é mais espesso, com um local específico para alojar a espoleta (bojo), a qual pode ser trocada, permitindo a recarga desta nova munição. Tal invento resultou na munição como conhecemos de “percussão central”, diferentemente daquela inventada pela empresa Smith & Wesson de “percussão radial”.

Tendo em vista que o novo estojo criado por Berdan possui uma base bem mais reforçada que as munições de fogo circular, permitindo a utilização de pólvoras químicas de alta velocidade, para que as armas pudessem utilizar munições de alta velocidade e energia, já que o estojo possuía um sistema de ignição central com uma base reforçada para suportar a grande energia por ele proporcionada, diferentemente das munições de “percussão radial”.
Após alguns anos, surgiu um novo modelo de estojo, criado pelo britânico Edward Boxer, o qual não se distinguia em praticamente nada do modelo projetado por Berdan, com exceção do sistema de ignição. Neste novo estojo, a única mudança, a se destacar, diz respeito ao sistema de espoletamento, no qual a bigorna é responsável por comprimir a mistura iniciadora da espoleta no momento em que é comprimida pelo pino percutor, ficando, agora, composta na própria espoleta e não mais no estojo, como ocorria no sistema Berdan.
Tal sistema trouxe boas vantagens aos atiradores, haja vista que para a recarga do referido estojo, ficou mais fácil o desespoletamento deste, do mesmo modo que, praticamente, não há mais negas provocadas pelo fato de a bigorna estar muito amassada após vários disparos, evitando que a espoleta não venha a ser comprimida devidamente, no momento do impacto do pino percutor, já que com o sistema Boxer, no momento da troca de cada espoleta, vem uma bigorna nova, evitando falhas por este motivo.

Outra peculiaridade que o sistema apresenta é a presença de um único “evento” e não dois como no caso do sistema Berdan. Estes referidos “eventos” são os orifícios presentes no bojo do estojo, local onde a espoleta fica alojada, e é através destes eventos é que a mistura iniciadora das espoletas é projetada para dentro do estojo, entrando em contato com a pólvora para a sua queima.


Os estojos Berdan e Boxer são chamados de munição de “fogo central” pelo fato de a mistura iniciadora (espoleta) estar alojada no centro da base do estojo, o que não ocorre nas munições de calibre .22 LR, ou outras que são encontradas no mercado, as quais são chamadas de munição de “fogo radial/circular”, também pelo fato de sua mistura iniciadora estar localizada em toda a borda da base do estojo.
É importante ter cuidado para não misturar os estojos BERDAN com os BOXER, tendo em conta que o primeiro, por ter a bigorna alojada em sua estrutura, poderá acarretar na quebra do pino de desespoletamento no caso do atirador praticar a atividade de recarga de munições. A CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) não fabrica mais estojos BERDAN para armas curtas desde o ano de 1988.
Desde o surgimento dos estojos Berdan e Boxer até os dias atuais, não houve alteração significativa nas munições, exceto pela evolução da pólvora que hoje se utiliza de composições químicas mais avançadas, cuja pólvora preta praticamente foi abandonada, sendo utilizada apenas em algumas armas em específico. Também houve mudança quanto às espoletas e aos projéteis, uma vez que aquelas começaram a ser produzidas no início do século, sem material corrosivo, preservando melhor a ranhadura das armas; enquanto estes – os projéteis- evoluíram em sua aerodinâmica e na composição de seus componentes.
Fonte/Créditos: Gassen
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